Convidado de Nuno Markl no Canal Q, José Cid referiu-se aos transmontanos
de forma extremamente insultuosa. A dada altura do programa, falando acerca da música portuguesa, o cantor afirmou que "essas pessoas do Portugal profundo já deviam ter evoluído" e acrescentou: "Vêm excursões para o Pavilhão Atlântico dessas pessoas
que nunca viram o mar, assim medonhas, feias e
desdentadas. Efectivamente, isso não é Portugal".
Como se esperava, estas declarações motivaram uma legítima revolta e não se fizeram esperar as reacções enérgicas, não só dos transmontanos, mas também de todos aqueles que não se revêm nesta imagem degradante do povo nortenho. Mas aqui eu pergunto: o que motiva tal revolta, afinal? O que causa mais espanto? Ouvir a opinião de um artista cuja carreira foi sempre marcada por polémicas e excentricidades, ou perceber que esta é, afinal de contas, a simples manifestação de uma mentalidade que é comum à generalidade dos lisboetas?
Tenho familiares em Lisboa e há décadas que conheço este tipo de discurso. Ainda recentemente, a filha de um primo meu, uma miúda com apenas 10 anos de idade, natural da capital, me dizia convictamente: "O Porto não presta! No Porto só há gente burra!". "Por que dizes isso? Conheces o Porto? Já lá foste?", perguntei-lhe eu. "Eu não, mas o meu pai disse-me!", respondeu-me ela.
De facto, tenho de concordar parcialmente com a minha priminha. Não há só burros no Porto e no Norte do país, mas há, infelizmente, muita gente que continua a fazer-se passar por burra, fingindo desconhecer esta triste realidade: para o comum dos alfacinhas, as pessoas do Norte, sejam elas do
Minho, Trás-os-Montes ou Douro, não passam de gente atrasada, analfabeta
e ignorante. Mais do que nunca, é preciso mudar esta mentalidade, mas ela não mudará enquanto perdurarem as constantes demonstrações de subserviência e inferioridade do povo português em relação à capital e essas continuam visíveis nas mais diversas vertentes.